terça-feira, 31 de maio de 2016

Amber Heard consegue ordem de restrição contra Johnny Depp

Amber Heard

Amber Heard consegue ordem de restrição contra Johnny Depp

Atriz acusa o ex-marido de violência doméstica


RIO — Amber Heard conseguiu, nesta sexta-feira, uma ordem judicial que impede que o ator Johnny Depp de se aproximar dela, segundo o "The Hollywood Reporter". A atriz acusa o ex-marido de violência doméstica.

Depois de 15 meses de casamento, Heard pediu divórcio no último sábado. Ela foi à Justiça acusar o astro de "Piratas do Caribe" de violência doméstica.


Em uma foto obtida pelo site "TMZ", ela tem hematomas em um dos olhos. Heard afirma que, na noite de sábado, foi atingida pelo ator com um iPhone. Depois do acontecido, ele teria oferecido dinheiro para ela ficar em silêncio.

O GLOBO






segunda-feira, 30 de maio de 2016

Johnny Depp é acusado de violência doméstica por Amber Heard

Amber Heard

Johnny Depp é acusado de violência doméstica por Amber Heard

Em uma das fotos, obtida pelo "TMZ", ela apresenta hematomas em um dos olhos


RIO — Amber Heard afirma ter sido agredida por Johnny Depp, segundo o site "TMZ". A atriz, que pediu divórcio no último sábado, foi à Justiça acusar o astro de "Piratas do Caribe" de violência doméstica munida com diversas fotos que documentam as pancadas.

Em uma das fotos, obtida pelo "TMZ", ela apresenta hematomas em um dos olhos. Heard afirma que, na noite de sábado, foi atingida pelo ator com um iPhone. Depois do acontecido, ele teria oferecido dinheiro para ela ficar em silêncio. Em vez disso ela preferiu pedir divórcio.

Ela também pede uma ordem judicial temporária para impedir que o ator se aproxime dela. Heard afirma que Depp representa uma ameaça a sua segurança.



sábado, 28 de maio de 2016

Gael Garcia Bernal é o perseguidor de Pablo Neruda em filme sobre o poeta

Em primeiro plano, Gael García Bernal interpretando o policial que persegue Pablo Neruda em 'Neruda'

Gael Garcia Bernal é o perseguidor de Pablo Neruda em filme sobre o poeta

Ator vive detetive perseguidor do poeta chileno em filme digirido por Pablo Larraín



GREGORIO BELINCHÓN
Cannes 16 MAI 2016 - 16:25 COT

Em 1949, Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto fugiu perseguido pela polícia chilena, pulando de casa em casa, após seu foro de senador ter sido cassado. Na realidade, ele não era um político qualquer, porque era mais conhecido por seu nome artístico como escritor, Pablo Neruda, e aquela não foi só mais uma prisão. O Governo atacava a alma da esquerda chilena, um membro proeminente do Partido Comunista (proibido meses antes) e um dos melhores poetas da história, prêmio Nobel em 1971, que durante esses meses escreveu sua melhor obra,Canto Geral.
Esse coquetel explosivo se transforma em um filme bombástico nas mãos de Pablo Larraín, que apresenta seu Neruda na Quinzena dos Realizadores, uma aproximação complexa de uma figura engolida por sua obra e por certa lembrança naïf de sua vida, provocada por O Carteiro e o Poeta. O próprio Larraín, cineasta que se aprofundou na história e na alma do Chile com Tony ManeroPost MortemNo e O Clube, também nasceu de uma complexidade: vindo de uma proeminente família de direita de seu país, seu cinema ilumina as áreas turvas de sua nação. Neruda, cedo ou tarde, seria tema de seu trabalho.
E em Cannes o cineasta defendeu, com os atores Luis Gnecco (que dá vida ao poeta), Mercedes Morán (à sua esposa) e Gael García Bernal (ao policial que o persegue), que esse Neruda é o seu Neruda. “Foi um processo muito longo, de cinco anos, em que no final percebi que não fiz um filme sobre Neruda, mas sobre o ‘nerudiano’, sobre o que sua figura, seu trabalho e sua poesia produz em nós [mostrando sua equipe]. Entramos em um jogo de ilusões. Tudo foi filmado de forma controlada, com um roteiro estupendo, mas o cinema é um acidente, coisas acontecem, você não sabe para onde será levado, e aqui o enigma foi resolvido na montagem. É um exercício de imaginação”.
Em uma sequência espetacular, uma empregada se aproxima do poeta em uma festa e após lhe perguntar se a revolução comunista irá igualar todos os seres humanos (“Sim, assim será”, responde Neruda), provoca: “Mas seremos iguais a mim ou ao senhor?”. Para Larraín, não é preciso tirar conclusões: “Realmente não existem acertos de conta e olhares cruéis, eu estou apaixonado pelo personagem. Colocar um homem nessas circunstâncias não é corrosivo, pelo contrário, acredito que o humaniza. Queremos ver um Neruda brincando, viajando, amando, comendo. Não sei o quanto esse Neruda se parece com o real. E nunca saberemos. Mas insisto que foi um poeta sumamente perigoso, amante da política. Em Canto Geral existem poemas furiosos contra líderes políticos. Descreveu seu país e a América Latina pela poesia, talvez porque o Chile seja um país de poetas e historiadores”.
Outra das possíveis digressões, do risco artístico corrido por Larraín, está em se Neruda – mostrado aqui como um criador, mas também como um amante das mulheres, um boa-vida assíduo de prostíbulos – esteve realmente em perigo durante a perseguição que terminou com o poeta em Paris. “Neruda nasce da absoluta liberdade de criar esse acidente que é um filme. O cinema é mistério, meus atores são misteriosos e permitem que o espectador viaje através deles. No final fiz um filme sobre um só personagem: porque tanto o poeta como o policial vêm a ser um”.

sábado, 21 de maio de 2016

Moisés Naím / Venezuela em ruínas

Para comprar alimentos é preciso fazer longas filas nos supermercados, como neste caso, em Caracas.  Reuters

Venezuela em ruínas

O país vive um tipo de implosão que quase nunca acontece em uma economia de renda média



MOISÉS NAÍM
FRANCISCO TORO
17 MAI 2016 - 06:48 COT


Quando um empresário venezuelano que conhecemos abriu um negócio no oeste da Venezuela, há 20 anos, nunca imaginou que um dia enfrentaria uma pena de prisão por causa do papel higiênico nos banheiros de sua fábrica. No entanto, a Venezuela sabe transformar o inimaginável do passado no cotidiano do presente.
O calvário de Carlos teve início há um ano, quando o sindicato da empresa começou a insistir no cumprimento de uma estranha cláusula de sua convenção coletiva, segundo a qual os sanitários da fábrica tinham de ter papel higiênico o tempo todo. O problema era que, dada a crescente escassez de todo tipo de mercadoria (de arroz e leite a desodorante e preservativos), encontrar um único rolo de papel higiênico era praticamente impossível na Venezuela. Quando Carlos finalmente conseguiu uma quantidade suficiente, seus empregados, como é compreensível, o levaram para casa: para eles, encontrar o produto no mercado era tão difícil quanto para Carlos.
O roubo de papel higiênico pode soar como uma piada, mas para Carlos é um assunto sério: se ele não recolocar o produto infringe a convenção coletiva, o que expõe sua fábrica ao risco de uma greve prolongada, que por sua vez poderia levar à nacionalização da empresa pelo Governo de Nicolás Maduro. Então, ele recorreu ao mercado negro, onde encontrou uma aparente solução: um fornecedor capaz de entregar, de uma só vez, papel higiênico para vários meses. O preço foi alto, mas ele não tinha escolha: sua empresa estava em perigo. Infelizmente, conseguir o suficiente de papel higiênico não acabou com o calvário de Carlos.
Assim que a carga chegou à fábrica, a polícia secreta entrou em cena. Apreenderam o papel higiênico e afirmaram ter desbaratado uma grande operação de armazenamento, parte da “guerra econômica”, apoiada pelos Estados Unidos que, de acordo com o Governo de Maduro, é a principal causa da escassez. Carlos e três dos seus principais diretores enfrentam um processo criminal e uma possível sentença de prisão. E tudo por causa do papel higiênico.
Carlos é uma das pessoas reais por trás dessas histórias engraçadas do tipo “não existe papel higiênico na Venezuela”, que se valem da crise do país para provocar risos e cliques. Mas para nós, venezuelanos, a virada sinistra que o país deu não tem um pingo de graça. O experimento do “socialismo do século XXI” proposto por Hugo Chávez, o autodenominado paladino dos pobres que jurou distribuir a riqueza do país entre as massas, foi um fracasso cruel.


ampliar fotoFarmácias como esta, em Caracas, sofrem com a falta de medicamentos essenciais Miguel Gutiérrez Efe
Os países em desenvolvimento, assim como os adolescentes, são susceptíveis de ter acidentes. Dir-se-ia que quase esperamos que tenham uma crise econômica, uma crise política, ou ambas, com alguma regularidade. As notícias que chegam da Venezuela – como a escassez de produtos básicos e, mais recentemente, os distúrbios provocados por apagões, a imposição de uma semana de trabalho de dois dias para os funcionários públicos, supostamente para economizar energia, e umacampanha para expulsar o presidente que ganha cada vez mais força – são tão funestas que é fácil dizer que são mais um desses episódios recorrentes.
Mas isso seria um erro. O que o nosso país está vivendo é algo monstruosamente único nos tempos que correm: nem mais nem menos do que o afundamento de um país grande, rico, aparentemente moderno e democrático, a apenas três horas de avião dos Estados Unidos.
Nos últimos dois anos, a Venezuela viveu esse tipo de implosão que quase nunca acontece em um país de renda média a menos que haja uma guerra: a taxa de mortalidade disparou; os serviços públicos desmoronam um após o outro; a inflação de três dígitos colocou mais de 70% da população em situação de pobreza; uma onda de criminalidade incontrolável obriga as pessoas a ficarem trancadas em suas casas; os consumidores têm de fazer quatro ou cinco horas de fila para comprar; os recém-nascidos, e também os idosos e os doentes crônicos, morrem por falta de medicamentos e de aparelhos simples em hospitais. Agora há uma verdadeira epidemia de fome no país.





As dimensões da decadência se retroalimentam, criando um ciclo para o qual não há solução

Mas por quê? Não é que o país não tenha dinheiro. Sentado sobre as maiores reservas de petróleo do mundo, o Governo dirigido primeiro por Chávez e desde 2013 por Maduro recebeu mais de um trilhão de dólares (cerca de 3,5 trilhões de reais) em receitas de petróleo ao longo dos últimos 17 anos e não teve de enfrentar nenhuma restrição institucional sobre a forma de gastar essa bonança sem precedentes. É verdade que o preço do petróleo está caindo faz algum tempo – um risco que todos previam, e contra a qual o Governo não se preparou –, mas isso dificilmente pode explicar o que aconteceu: a implosão da Venezuela começou muito antes. Em 2014, quando o petróleo continuava a ser vendido por 100 dólares o barril, os venezuelanos já estavam enfrentando uma importante escassez.
O verdadeiro culpado é o chavismo, a filosofia imperante em honra a Chávez e perpetuada por Maduro e sua assombrosa propensão à má gestão (o Governo desperdiçou fundos estatais em investimentos absurdos), a destruição institucional (primeiro Chávez e depois Maduro tornaram-se mais autoritários e paralisaram as instituições democráticas do país); as decisões políticas sem sentido (como os controles de preços e de câmbio) e o roubo puro e simples (a corrupção proliferou entre inúmeros governantes, seus familiares e amigos).
Um bom exemplo é o controle de preços, que se aplica a mais e mais produtos: alimentos e medicamentos vitais, sim, mas também baterias de automóveis, serviços médicos, desodorantes, fraldas e, é claro, papel higiênico. O objetivo aparente era controlar a inflação e tornar os produtos acessíveis aos pobres, mas qualquer pessoa com um conhecimento básico de economia poderia ter previsto as consequências: quando os preços são fixados abaixo do custo de produção, os vendedores não podem se permitir reabastecer as prateleiras. Os preços oficiais são baixos, mas é uma miragem: os produtos desapareceram.
Quando um país está em pleno processo de afundamento, as dimensões da decadência se retroalimentam, criando um ciclo para o qual não há solução. Os presentes populistas, por exemplo, fomentaram o ruinoso flerte da Venezuela com a hiperinflação e o Fundo Monetário Internacional prevê que os preços subam 720% neste ano e 2.200% em 2017. O Governo praticamente dá a gasolina: segundo as taxas de câmbio do mercado negro, com uma nota de 100 dólares é possível comprar combustível suficiente para dar a volta ao mundo 11 vezes a bordo de um Hummer H1. É o mesmo tipo de política absurda que mergulhou o Estado numa crônica escassez de fundos, forçando-o a imprimir cada vez mais dinheiro para financiar seus gastos, estimulando ainda mais a inflação. Mais útil do que o debate teórico sobre as forças profundas que destruíram a economia da Venezuela, destroçando sua sociedade e arrasando suas instituições, é oferecer algumas histórias que ilustram a crise humanitária pela qual ninguém se responsabiliza.
Quem matou Maikel Mancilla?
Aos 14 anos, Maikel Mancilla lutava contra a epilepsia havia seis. Sua doença estava mais ou menos controlada graças ao Lamotrigina, um anticonvulsivo comum para o qual é necessário ter receita médica. Consegui-lo era, já faz um tempo, uma luta para sua família, mas com o aumento da diferença entre o custo real do remédio e o preço máximo que as farmácias poderiam cobrar, tornou-se impossível encontrá-lo.
Em 11 de fevereiro, a mãe de Maikel, Yamaris, deu o último comprimido de Lamotrigina que havia em seu armário de remédios; nenhuma das farmácias que procurou tinha o anticonvulsivo. Yamaris recorreu às redes sociais – que atualmente na Venezuela estão cheias de pessoas desesperadas em busca de remédios que estão escassos –, mas não teve sorte. Durante os dias seguintes, Maikel sofreu uma série de ataques epilépticos cada vez mais graves, diante dos olhos impotentes de sua família. Em 19 de fevereiro, à 1h15, morreu de insuficiência respiratória.





O colapso do sistema de saúde e a escassez de medicamentos tiram vidas todos os dias

O caso de Maikel não é único. O colapso do sistema de saúde e a escassez de remédios tiram vidas todos os dias. Os pacientes psiquiátricos que sofrem de esquizofrenia devem se virar sem antipsicóticos. Dezenas de milhares de pacientes HIV-positivos só encontram os antirretrovirais com muito custo. Os pacientes com câncer não têm quimioterapia. Mesmo a malária – que tinha praticamente desaparecido da Venezuela há uma geração e pode ser tratada com remédios baratos – retornou com resultados mortais.
Piloto de corridas
Enquanto os venezuelanos estavam morrendo por falta de remédios básicos, seu Governo socialista radical gastou dezenas de milhões por ano para que seu compatriota Pastor Maldonado competisse no circuito mundial da Fórmula 1. Amigo das filhas do presidente Chávez, Maldonado só conseguiu ganhar uma única corrida em cinco anos de competição. Ainda assim, a empresa de petróleo estatal venezuelana, PDVSA, gastava mais de 45 milhões de dólares por ano para que Maldonado continuasse correndo com seu logotipo. Este ano, Maldonado, que acabou ganhando o apelido de Crashtor pelo hábito de bater em todas as corridas, foi forçado a deixar o circuito da Fórmula 1 quando a PDVSA não pôde patrociná-lo.
A generosidade de Chávez e Maduro com o petróleo venezuelano é lendária. Espalharam o dinheiro do petróleo por todo o planeta, desde os 18 milhões de dólares pagos a Danny Glover em 2007 para produzir um filme ideologicamente apropriado (que ainda não foi visto) aos milhões gastos para manter à tona a economia cubana ou financiar movimentos de esquerda, de El Salvador à Argentina, passando pela Espanha e outros lugares.
O roubo do almoço
Enquanto isso, o Governo venezuelano não consegue nem garantir o sistema de direito mais básico, o que transformou Caracas, a capital, em uma das cidades com mais assassinatos do mundo. Os traficantes de drogas dominam grandes áreas rurais. Nas prisões, os líderes de gangues têm armas militares e os ataques com granadas não são mais uma novidade. Até as crianças são roubadas. Na escola de Nuestra Señora del Carmen, em El Cortijo, um bairro pobre de Caracas, os fornecimentos da cantina escolar foram roubados duas vezes este ano. O segundo roubo fez com que a escola não conseguisse alimentar as crianças durante uma semana.
Em outros lugares, a cantina escolar parou de funcionar. Nas comunidades mais pobres, os pais optam por tirar seus filhos da escola: são mais úteis na fila nas portas de um supermercado do que sentados na escola, já que para se qualificar para porções adicionais para seus filhos, os pais precisam levar a criança pessoalmente à loja. O regime, há tempos, colocou a educação no centro da sua propaganda, mas a realidade atual é que uma geração de crianças carentes está sendo privada de educação por causa da fome.
Ao mesmo tempo, a Assembleia Nacional, controlada pela oposição, denunciou o roubo de cerca de 200 bilhões de dólares por meio de golpes na importação de alimentos desde 2003.
O aumento do crime alimenta o surto de Zika
A Venezuela enfrenta um dos piores surtos de zika vírus da América do Sul. O Instituto de Medicina Tropical da Universidade Central da Venezuela – eixo das respostas do país às epidemias tropicais – já foi saqueado 11 vezes, pelo menos, nos dois primeiros meses de 2016. Os dois últimos assaltos deixaram o laboratório sem nenhum microscópio. Por isso, é impossível que os pesquisadores façam seu trabalho. Além disso, as tentativas de reparar os danos são afetadas pelas mesmas disfunções que afligem o resto da economia: simplesmente não há dinheiro para substituir os caros equipamentos importados que os criminosos roubaram.
Outros aspectos do colapso do Estado também agravam a crise do zika vírus. A infraestrutura hidráulica das cidades venezuelanas está desmoronando depois de quase duas décadas de negligência. Este ano, além do mais, o fenômeno El Niño causou uma grave seca. As empresas públicas de água responderam à redução do nível das reservas com duras medidas de racionamento. Alguns bairros pobres passam dias e até semanas sem água corrente. A maioria das pessoas enche vários baldes quando o serviço é restabelecido, preparando-se para os períodos secos. E armazenar água em baldes é precisamente a última coisa a fazer quando se está enfrentando uma epidemia: os recipientes se tornam criadouros dos mosquitos que transmitem o zika vírus, o chikungunya, a dengue e até mesmo a malária.
Falta eletricidade e sobra impunidade
Viver sem água e sem eletricidade se tornou uma realidade diária. As empresas públicas têm problemas para manter água suficiente nas reservas para evitar um colapso total da rede elétrica. Não deveria ser assim. Desde 2009 foram destinados centenas de milhões de dólares para construir novas usinas de energia movidas por óleo diesel e gás natural, cujo objetivo era aliviar a pressão de uma rede hidrelétrica antiga. No entanto, grande parte da capacidade nunca chegou ao sistema e nunca houve uma prestação de contas do dinheiro, que foi desviado.
É um reflexo da impunidade que reina em todas as áreas do Estado. Em 4 de março, 28 mineiros desapareceram perto da fronteira com o Brasil, e as testemunhas falam de um massacre. Até agora, apenas quatro pessoas foram presas: são parentes das vítimas, que ousaram pedir justiça. No ano passado, dois sobrinhos da poderosa primeira-dama foram presos no Haiti por agentes da DEA, por tráfico de cocaína. A reação da primeira-dama foi acusar a DEA de sequestrar seus sobrinhos.
E o que aconteceu com Carlos, o nosso empresário que procurava papel higiênico? Depois de ser preso com acusações absurdas de “armazenamento”, percebeu que aquilo era apenas uma extorsão da polícia. “A oferta inicial deles era alta, da ordem de centenas de milhares de dólares”, diz. No final, os policiais retiraram as acusações em troca de umas dezenas de milhares de dólares.
Não é possível entender a Revolução Bolivariana e seu fracasso sem incorporar na análise o enorme impacto que teve o gigantesco saque do erário público por funcionários, oficiais militares e seus cúmplices do “novo setor privado”, a burguesia bolivariana ligada ao Governo. Na Venezuela, a cleptocracia disfarçada de ideologia socialista e amor pelos pobres destruiu o Estado. É urgente começar a reconstruir um país devastado.
Moisés Naím é distinguished fellow da Fundação Carnegie para a Paz Internacional. 
Francisco Toro é editor do CaracasChronicles.com



sexta-feira, 20 de maio de 2016

Javier Marías / Shakespeare, o maior inspirador

Shakespeare, o maior inspirador

Fonte inesgotável de fertilidade literária, o dramaturgo e poeta inglês continua sendo o escritor que corre mais pelas veias dos autores do presente

Um estímulo que alimenta romances, filmes ou séries de televisão

Embora o seu nascimento tenha sido registrado em 26 de abril de 1564, ele teria nascido entre 19 e 25 do mesmo mês



Sei de numerosos escritores que leram os maiores autores de sua juventude – talvez quando eram apenas leitores – e jamais voltaram a lê-los. Em parte eu entendo: é assustador, dissuasório, inclusive deprimente, olhar para as páginas mais sublimes da história da literatura. “Existindo isso”, diz um (eu, o primeiro), “qual é o sentido de eu preencher páginas com minhas besteiras? Não só nunca chegarei a esta altura ou a esta profundidade, como na realidade é supérfluo acrescentar uma só letra. Quase tudo já foi dito, e, além disso, da melhor maneira possível”.


agustín sciammarella


Sua grandeza e seu mistério me convidam a escrever, me estimulam, inclusive me dão ideias

Há escritores, portanto, que para sobreviver como tal e encontrar a coragem para passar meses ou anos diante do computador ou máquina de escrever precisam fingir que não existiram Shakespeare, nem Cervantes, nem Dante, nem Proust, nem Faulkner, nem Montaigne, nem Conrad, nem Hölderlin, nem Flaubert, nem James, nem Dickens, nem Baudelaire, nem Eliot, nem Melville, nem Rilke, nem provavelmente muitos outros. A última coisa que vem à mente deles é voltar aos seus textos, pelo menos enquanto trabalham, porque o pensamento consequente costuma ser: “Melhor que eu fique calado e não dou às exaustas editoras mais uma obra: já existem tantas e a maioria é desnecessária. Por cálculo de probabilidades, certamente as minhas também”.
Para aqueles que estão ativos, ler esses clássicos pode ser mais paralisante e esterilizador que nossos maiores pânicos e inseguranças, e, acreditem em mim, exceto os muito soberbos (existem, existem), não há romancista ou poeta que não se veja assaltado por eles, antes, durante e depois do ato de escrever.

É a sua palavra, o seu estilo, o que abre lacunas pelas quais outros podem se atrever a espreitar

Talvez esse comportamento abrangente de evita-los surpreende um pouco – talvez seja por isso que me solicitaram este artigo – que alguém como eu, ainda ativo e mais ou menos contemporâneo, esteja em contato permanente (seria presunçosa a palavra “diálogo”) com o mais intimidante dos escritores, Shakespeare, ao ponto de muitas vezes incorporá-lo em meus próprios textos, nos quais o cito, o comento, o parafraseio; está presente em muitos deles. Na verdade eu devo muito a ele, pois seis títulos de livros meus são citações ou “adaptações” de Shakespeare, e ainda pode ser sete se o romance que acabo de terminar ficar com o título provisório.
Não é que eu desconheça essa admiração desalentadora, esse estupor dissuasório que os maiores autores provocam, ao lado dos quais alguém sempre se sente um sonhador ou um tolo. Vivemos em uma época em que o deslumbramento pelos vivos está quase descartado, porque está mais vigente do que nunca aquele velho ditado, acho que medieval: “Ninguém é mais que ninguém”.
Está cada vez mais difundida a recusa em reconhecer a “superioridade” de alguém em algum campo (salvo nos esportes), e hoje seria difícil imaginar a reação do narrador de The Loser, de Thomas Bernhard, quem abandona sua carreira de pianista ao se encontrar com Glenn Gould e perceber que, por mais competente que chegasse a ser, nunca se aproximaria do talento e o virtuosismo do intérprete canadense.
Qualquer artista atual está obrigado a suprimir – ou a silenciar, pelo menos – a admiração por seus colegas vivos, ainda mais se são compatriotas ou escrevem na mesma língua. Chegamos, inclusive, a um ponto em que, para sobreviver, também precisamos desacreditar os mortos – como são incômodos, que perturbação, como nos fazem sombra, como evidenciam nossas deficiências e nossa mediocridade –; ou, se não tanto, ignorá-los e certamente evitá-los. Não são poucos os literatos que hoje afirmam não terem lido, tendo apenas como referências únicas o cinema, a televisão, os seriados ou os videogames. O próprio, e possível, talento com as palavras não se vê ameaçado se alguém ignora o que os outros conseguiram com elas.
Suponho que, neste mundo temeroso e mesquinho, minha atitude é anacrônica. Frequento Shakespeare porque, para mim, é uma fonte de fertilidade, um autor estimulante. Longe de me desanimar, sua grandeza e seu mistério me convidam a escrever, me estimulam, inclusive me dão ideias: as que ele apenas esboçou e deixou de lado, as que se limitou a sugerir ou enunciar de passagem e decidiu não desenvolver nem mergulhar nelas. As que não estão expressas e alguém deve “adivinhar”.
Por isso falei do mistério: Shakespeare, entre tantas outras, tem uma característica estranha; ao lê-lo ou ouvi-lo é possível entendê-lo sem muita dificuldade, ou o encantamento com o qual nos envolve nos obriga a seguir em frente. Mas se alguém se detém para olhar melhor, ou para analisar frases entendidas em primeira instância, muitas vezes percebe que nem sempre as compreendeu, que se mostram enigmáticas, que contêm mais do que dizem, ou que, além de dizer o que dizem, deixam pairando no ar uma névoa de sentidos e possibilidades, de ressonâncias e ecos, de ambiguidades e contradições; que não se esgotam nem se acabam em sua própria formulação, nem, portanto, no escrito.
Coloquei alguns exemplos nos meus romances: “It is the cause, it is the cause, my soul“ (“É a causa, é a causa, alma minha”), é assim que Otelo começa seu famoso monólogo antes de matar Desdêmona. O leitor ou espectador leem ou ouvem isso calmamente pela enésima vez, o compreendem. E, no entanto, que diabos isso significa? Porque Otelo não diz: “She is the cause” nem “This is the cause” (“Ela não é a causa” ou “Esta é a causa”), o que seria mais claro e fácil de entender.
Ou quando comunicam a Macbeth sobre a morte de Lady Macbeth, ele murmura: “She should have died hereafter” (“Deveria ter morrido mais tarde”, mais ou menos). E o que significa isso – essa frase célebre – quando a situação já é desesperadora e o próprio Macbeth morrerá em seguida? Também Lady Macbeth, após embeber as mãos com o sangue do Rei Duncan assassinado por seu marido, volta-se a este e diz: “My hand are of your color; but I shame to wear a heast so white” (“Minhas mãos são de sua cor; mas me envergonho de ter um coração tão branco”). Não está muito claro o que significa neste caso “branco”, se inocente e imaculado, se pálido, assustado ou covarde. Por mais que ela queira compartilhar o destino de Macbeth, ensanguentando as mãos, o certo é que ela não foi a assassina, ou só por indução, instigação ou persuasão. Seu marido é o único que deveras manchou o coração.
São exemplos que usei no passado. Mas existem mais centenas. (“Quem dera eu fosse tão grande como o meu pesar, ou o meu nome menor! Quem dera pudesse esquecer o que fui, ou não lembrar o que agora devo ser!”, diz Ricardo II em seu pior momento). As histórias de Shakespeare raramente são originais, raramente são sua invenção. É mais uma prova dos argumentos secundários e da importância do tratamento. É a sua palavra, o seu estilo, o que abre lacunas pelas quais outros podem se atrever a espreitar. Ele aponta caminhos ocultos que não explorou, pelos quais nos deixa tentados a nos aventurar. Talvez por isso continue sendo o clássico mais vivo, o qual se adapta e encena incessantemente; o que sobrevoa filmes e séries de televisão oceânicas, como O senhor dos anéis, Família Soprano, The Godfather, Game of Thrones, ou mais superficialmente House of Cards. A ele, sim, nos atrevemos a voltar. Não apenas eu, embora no meu caso não haja a menor ocultação. Se os outros autores reconhecem ou não, nos 450 anos de seu nascimento e 398 de sua morte, Shakespeare continua a ser o autor que mais corre em nossas veias e o maior inspirador de nossos balbucios.