terça-feira, 2 de abril de 2013

Carlos Heitor Cony / Chaplin e outros ensaios / Resenha




Reeditado com outros ensaios, texto de estreia do escritor, de 1956, explora as contradições de Carlitos, comparado a personagens clássicos 

Carlos Heitor Cony
CHAPLIN E OUTROS ENSAIOS
Por Alvaro Costa e Silva*


“Chaplin e outros ensaios”, mais recente obra publicada por Carlos Heitor Cony, é um retorno ao início da carreira do escritor. O texto sobre Charles Chaplin, que abre e ocupa 142 páginas das 290 do livro, nasceu de uma conferência que Cony fez na Sociedade Cultural Hebraica em 1956, em seguida editada numa plaqueta. Era a estreia do autor, que abandonara o seminário para virar jornalista e dava os primeiros passos na literatura. Três anos depois, o material foi ampliado para uma série de artigos que ocuparam página inteira do “Suplemento Dominical do Jornal do Brasil”. No intervalo entre a publicação de dois romances — “Balé branco” e “Pessach: A travessia” —, o autor deu forma definitiva ao trabalho, enfeixado pela Civilização Brasileira em 1967.


A reedição — acrescida dos “outros ensaios”, de que falaremos abaixo — traz algumas notas de atualização. Continua uma análise vigorosa, a qual parte da comparação com a melhor fortuna crítica disponível na época — John Grierson, Vsevolod Pudóvkim, Luigi Chiarini, Maurice Bessy, Maurice Bleiman, Robert Florey, Gilbert Seldes, Robert Payne — para dar seu recado. Que se concentra mais em torno da criatura, Carlitos, que do criador, Chaplin.

As comparações literárias abundam. Depois de citar Homero e Cervantes, escreve Cony: “Chaplin obteve o que poucos artistas alcançaram — e talvez apenas Shakespeare tenha obtido resultado igual: transformar o seu personagem, tão lúcido e primário à primeira vista, tão real, tão cotidiano, tão universal, num poço de indagações, de contradições sociais e existenciais, prenhe de todas as não respostas dos grandes personagens shakespearianos, dos quais o modelo mais próximo talvez seja Hamlet”.

O ciclo chega até Dickens. Ou melhor, à refutação de que Carlitos teria sido um personagem que o romancista inglês havia esquecido de inventar: “Sua linha ficcional prende-se à grande linha literária da década de 1920 — e Chaplin foi até mesmo anterior a ela, sendo assim um precursor. (...) Tal como os personagens de Faulkner, Dreiser, Hemingway e John dos Passos, Carlitos extasia-se frente à própria debilidade, à própria desventura, à própria impotência”.

Análise de obras menos exibidas

Em relação à carpintaria fílmica, o escritor encara o repúdio de Chaplin ao cinema sonoro como parte de seu reacionarismo técnico, lembrando que o cineasta resistiu enquanto pôde, só capitulando na cena final de “O grande ditador”. Mesmo assim, não se valeu de uma fala, de um diálogo, mas de um sermão. O que contava, em suas próprias palavras, era “a beleza do silêncio”. E, claro, o fato de ser ele um mímico excepcional.

Depois de esmiuçar personagem e processo, o autor complementa o ensaio com breve sinopse biográfica e filmografia comentada. Esta última, além de ideal para ler após assistirmos aos filmes, apresenta alguns dos momentos mais iluminadores do livro. São as breves sacadas sobre as produções menos badaladas e exibidas. Sobre a obra-prima “The pilgrim” (“Pastor de almas" no Brasil), observa Cony que, “como história, é a melhor de Chaplin. Sem derramamentos, sem apelos emocionais insistentes, sem desvios discursivos”. Também há um sermão na fita, sobre o duelo Davi e Golias. Perfeito, e feito por mímica.

O restante do volume é uma “collage” armada com prefácios e artigos de imprensa, muitos destes encomendados por Paulo Francis (que assina a quarta-capa) ou publicados na série “As obras-primas que poucos leram”, da revista “Manchete”. A seleção de nomes diz muito da personalidade, digamos, “do contra”
 que Cony assumiu ao longo não só de sua empresa literária como também diante da opinião pública. Quem mais poderia reunir, lado a lado, o papa Karol Wojtyla e o imperador Nero? Tomás de Aquino e Máximo Górki? Teilhard de Chardin e Federico Fellini?

Três ensaios analisam Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto como representantes maiores da linhagem do romance carioca. Segundo Cony, a bagunça arma-se desta maneira: “Fazer Capitu dar o braço a Policarpo Quaresma no enterro do major Vidigal”. Por essa bastante e simples razão, não entram no cortejo José de Alencar, Aluísio de Azevedo e Raul Pompeia, que, embora tenham escrito livros com tipos e paisagens do Rio, não pegaram a essência avacalhada da coisa. Pois, se é assim, este resenhista pergunta: onde meter Marques Rebelo?

No texto sobre Robbe-Grillet, cuja intenção é discutir o futuro e os descaminhos do romance, o autor é esquemático: “O triângulo Joyce-Kakfa-Faulkner (Joyce e Kafka como catetos, Faulkner como hipotenusa) estrangulou o romance”. Acaba sobrando para Guimarães Rosa, tema de longo artigo no qual Cony chama a atenção para o nome do pai do escritor mineiro, mistura que guardaria a chave para a linguagem roseana: Florduardo. Apesar dos elogios derramados, a visão é crítica: “Guimarães Rosa e ‘Grande sertão: veredas’ foram considerados gênio e obra-prima de forma abrupta. (...) Pouco a pouco o impacto da obra do genial autor vai adquirindo o seu real contorno, grande o suficiente para ser o monumento de nossa língua, território glorioso de nossa cultura, mas bem distante, talvez, do grande livro de um povo que ainda persegue o seu caminho e a sua afirmação”.


*Alvaro Costa e Silva é jornalista




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